sexta-feira, 22 de maio de 2009

Em busca de um violão que seja clássico

Amigo internauta,

Há cerca de dois anos li na revista Classical Guitar ( http://www.classicalguitarmagazine.com/ ) uma entrevista com Richard Bruné, luthier estadosunidense. Ele comentou que o violão Torres é um instrumento feito para o flamenco que violonistas eruditos passaram a utilizar, não um violão para música erudita.

Quando li isso, achei verossímil, considerei uma hipótese a ser investigada, mas não dei atenção. O instrumento que os violonistas flamencos utilizam têm diversas características que os violões utilizados pelos violonistas clássicos não têm, e vice-versa. Como na mesma entrevista foram publicadas diversas frases polêmicas, não levei a sério.

Quando iniciei meus estudos na Alemanha de imediato me deparei com uma escola de lutheria contemporânea a Torres, com qualidades distintas. No Germanisches Nationalmuseum, aqui em Nurembergue e no Deutsches Museum, em Munique, há em exposição instrumentos musicais, incluso diversos violões e alaúdes. O acervo em Nurembergue é maior, e inclui pelo menos três tipos de violão bem diferentes do modelo Torres, feitos à mesma época.

Um desses, o modelo Stauffer, tive a oportunidade de conhecer em mais profundidade. Além de ter visto em museus violões da época, meu professor possui uma réplica feita pelo luthier alemão Bernard Kresse. Em diversas vezes esse violão esteve presente nas minhas aulas, e pude testá-lo em alguns momentos. Estive presente também numa ocasião em que meu professor tocou um concerto de Mikis Theodorakis com orquestra nesse instrumento. Abaixo segue uma foto de uma réplica de um Stauffer.



Dentre as diferenças visuais desse projeto, chama a atenção para os violonistas uma em especial. O braço é elevado em diagonal, e não toca no tampo. No tróculo há um parafuso interno que, quando girado, eleva ou abaixa a escala em alguns milímetros, de forma a proporcionar uma regulagem rápida para o instrumentista tocar da forma mais confortável possível. A foto ao lado foi tirada no Germanisches Nationalmuseum, e é um instrumento feito no século XIX.

Mas a maior diferença desse projeto está nas características musicais que ele proporciona. Ao ouvir e testar o instrumento, lembrei imediatamente da entrevista do Bruné. E passei a concordar com ele.

A música erudita tem algumas demandas próprias que naturalmente exigem dos instrumentos certas qualidades, que cabem ao construtor atendê-las. As composições usam melodias como principal elemento musical, então os instrumentos têm de tocar bem diversos tipos de melodia. As melodias predominam no registro médio / agudo, e assim por diante.

Num violão Torres é sempre complicado tocar uma melodia. Cada corda se comporta de uma forma totalmente diferente, e para manter uma unidade é preciso manter a melodia sempre na mesma corda, o que é impossível na maior parte dos casos. O instrumento carece de sustentação e um legato perfeito só é atingido a custo de muito esforço. Dependendo do acompanhamento, equilibrá-lo com a melodia é uma arte à parte, pois o instrumento costuma ter baixos potentes, uma prima super brilhante, uma segunda corda doce e uma terceira corda moribunda.

Já as réplicas de Stauffer que pude testar têm ótima projeção e sustentação nos agudos, um equilíbrio incrível entre as três cordas mais agudas, baixos menos fortes e sem muita sustentaçao, e proporcionam mais agilidade nas interpretações. Em suma, é uma sonoridade que lembra os pianofortes feitos na mesma época.

Analisando bem as qualidades do violão Torres, é um instrumento ótimo para tocar acordes, notas repetidas, rasgueados, melodias no grave, e outras qualidades musicais muito adequadas para tocar música flamenca e repertório romântico espanhol, bem como ser usado como acompanhamento rítmico e harmônico. Certamente não foi gratuito ele ter sido utilizado como instrumento de concerto justamente por uma geração de violonistas espanhóis que tinham como principal eixo de repertório composições inspiradas pelo flamenco, bem como por violonistas que o utilizam só como acompanhamento, como ouvimos na Bossa-Nova.

Já o Stauffer é um violão com características mais em acordo com as exigências próprias da música erudita, em que a natureza do instrumento serve melhor ao violonista que busca tocar esse repertório, e várias ideias que o músico têm conseguem ser executadas nesse violão sem que o instrumentista tenha de lutar contra ele.

Parece um dilema já resolvido, então. Um Stauffer seria um violão perfeito para a música clássica. Bem, não é tão simples assim.

No século XX o violão passou a ocupar um papel de importância que nunca tinha ocupado antes. Surgiu todo um repertório para o instrumento que o concertista da atualidade não pode ignorar. E uma parcela considerável desse repertório, inclusive obras sem influência espanhola, apresenta características que soam melhor em violões Torres. Por exemplo, obras com o uso intenso de rasgueados, como a Sequenza XI do Berio ( vídeo aqui ), tenho dúvidas se soariam tão convincentes num Stauffer. A pequena sonoridade e sustentação nos baixos também me deixa em dúvida se uma simples Prelúdio 1 de Villa-Lobos soaria com a grandiosidade necessária.

Uma coisa que me deixa esperançoso é que diversos luthiers da atualidade estão partindo do modelo Torres e fazendo modificações que o aproximam das qualidades do Stauffer. Talvez sem querer, muitos o fizeram sem ter informação alguma sobre esse outro projeto, mas estão aparecendo violões com características de Stauffer.

Pergunto-me o que aconteceria se algum luthier de talento partisse do Stauffer e aprimorasse esse projeto, com o ideal de produzir um "Stauffer para o violonista contemporâneo". Não sei ao certo o que sairia daí, mas parece uma boa ideia. Talvez surgisse daí um violão mais adequado pra tocar musica erudita.

2 comentários:

  1. Matéria interessantíssima. Parabéns!

    Sapopemba

    ResponderExcluir
  2. oi alvoro, sou um grande admirador do estilo clássico que é uns dos estilo que mais que mais se combina com o cristão,

    como gosto das coisas conservadora, sacras, puras.

    quando comecei a aprender violão (isso é a trez anos atráz)
    logo de imediato baixei quasse todos albúm do site blog do Helder belo.

    comento aqui pra te dizer que apreciai o os poste no link; http://forum.cifraclub.com.br/forum/4/238448/

    e de lá naveiguei no link que vc passou.

    apreceiei muito a literatura.

    grande abraço!

    ResponderExcluir