Amigo internauta,
Complemento o tópico anterior de mesmo nome, em que comento que o violão tem características que o torna um instrumento próprio para tocar acompanhamento e música espanhola, e com inadequações para tocar música erudita. Vamos dar exemplos concretos.
Tentemos tocar o tema da 9a Sinfonia de Beethoven ao violão. Parece moleza, e realmente é pra ser a melodia mais fácil que um instrumentista tocará em toda sua vida. Começamos tocando fá#, sol, lá. Surge o primeiro problema. Quando tocamos o lá na terceira corda, há uma mudança de timbre grande o suficiente pra comprometer a unidade da melodia, e soar como se um instrumento diferente tocasse cada nota. Podemos tocar tudo na quarta corda, o que resolve o problema.
Prosseguimos. lá, sol, fá#, mi. Opa, olha outro problema aí. Já que estamos tocando tudo na quarta corda, precisamos saltar pra conseguir tocar o mi. Nesse salto, por mais veloz que seja, sempre se ouve uma pausa grande o suficiente pra comprometer o legato dessa frase. Dá pra tocar o mi na quinta corda, mas surge novamente o problema da mudança de timbre. Embora essa mudança de timbre seja mais sutil que quando mudamos da quarta pra terceira corda, ele vai se mostrar de novo ao tocar o ré. Ou, ao tocar a nota dó, será impossível evitar o salto, com a incômoda pausa junto.
E, claro, outros cuidados sempre se fazem necessários: dedilhar tudo com o mesmo dedo, o mesmo tipo de toque, com o mesmo ângulo, etc.
Se o violão tivesse uma sonoridade uniforme o suficiente para permitir uma mudança de corda soar com o mesmo timbre, sem esforço, esse problema estaria resolvido.
Essa é uma situação das mais simples que um violonista encontra. Em geral as melodias que precisamos tocar são mais amplas, mais rápidas, com mais notas, e normalmente com acompanhamentos simultâneos. Diversas das ferramentas que dispômos para tocar bem o tema do último movimento da 9a Sinfonia não podem ser cogitadas em diversas composições do repertório violonístico.
Por outro lado, veja o Prelúdio 1 de Villa-Lobos, amigo internauta. Essa é provavelmente a melodia mais bem escrita para o violão. Todas as notas têm sustentação adequada, estão digitadas de uma forma que permite uniformidade, é possível utilizar de ferramentas que criam a ilusão da nota ficar mais forte depois do ataque, o legato surge naturalmente, enfim, é a situação perfeita. A melodia está nos baixos, nesse caso.
Já quando temos uma melodia no agudo, como na seção B do Prelúdio 3 de Villa-Lobos, tudo se inverte. As notas não têm a sustentação que precisam, toda mudança de corda compromete a unidade de timbre, todo salto compromete o legato, é muito difícil mudar o som da nota após o ataque, e é preciso muito esforço para passar a impressão que a última nota isolada soa legato com o acorde a seguir.
Com um instrumento que, além de uniformidade na sonoridade, tivesse boa sustentação e projeção aonde a melodia costuma estar, que é nos agudos, esse problema estaria resolvido.
Mas o violonista, mesmo lutando com todos esses problemas, consegue criar uma boa impressão. Vai tocando uma composição, com melodia na região aguda, prepara aquele lindo acorde que termina a música e... a última nota que sobra no acorde não é a melodia, é um baixo que ele já teve de tomar cuidado pra não se sobrepôr à melodia.
Um baixo sempre presente e que é a última nota que sobra ao tocar um acorde é uma dádiva pra um instrumento acompanhador, já que a nota mais grave tem um papel importantíssimo para determinar as tensões e repousos. Dois acordes com as mesmas notas, mas com baixos diferentes, podem soar como dissonância num caso e repouso em outro. Um instrumento acompanhador precisa mostrar isso com muita clareza.
Mas um instrumento que toca melodias tem de ser capaz de pôr a melodia em primeiro plano sempre, em toda e qualquer situação, em qualquer região que ela esteja.
São essas as principais características que gostaria de ouvir num violão. E poucos estão correndo atrás delas.
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