domingo, 2 de agosto de 2009

Gilberto Dimenstein, um bem-intencionado que não vê o todo.

Amigo internauta,

Em matéria recente na Folha de São Paulo ( http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/gilbertodimenstein/ult508u600784.shtml ) e em comentários na Rádio CBN o jornalista Gilberto Dimenstein têm desqualificado o que promete ser a melhor política cultural da década, o Vale-Cultura.

A crítica dele, pelo que pude entender, é baseada em dois principais pontos: ele considera inadequado que esse valor venha a ser utilizado para consumir pagode, funk, sertanejo e livros de auto-ajuda; e crê que os alunos da escola pública são as únicas pessoas capazes de escolher bem os produtos culturais, pois por serem alunos consumiriam produtos culturais relacionados à educação.

Sou músico erudito, e compartilho da preocupação do Dimenstein em incentivar as pessoas a entrar em contato com manifestações culturais mais ricas e sofisticadas. No entanto, não podemos em hipótese alguma desqualificar qualquer manifestação cultural produzida no Brasil. Precisamos atrair os brasileiros a conhecer mais o melhor da sua própria cultura, possibilitar que artistas vivos continuem produzindo arte da maior qualidade possível, mas nunca considerar menor qualquer manifestação cultural, por melhor que sejam as intenções. Toda manifestação cultural representa uso, costumes, anseios e o simbólico de um grupo social. Portanto, não há qualquer diferença entre perseguir o sertanejo e seus admiradores, por exemplo.

Além disso, todo produto cultural precisa de toda uma cadeia produtiva para chegar ao consumidor final. Quando elos da cadeia produtiva ficam mais fortes, todas as manifestações culturais ganham, inclusive as que Dimenstein possa considerar as únicas dignas de apoio governamental. Por exemplo, a venda de livros de auto-ajuda pode permitir que editoras mais fortes possam lançar livros cujo retorno imediato de vendas seja baixo, ou que as livrarias com mais frequentadores possam incluir nas estantes uma maior variedade de títulos. Em diversos estados, só há estúdios de gravação com os equipamentos que músicos eruditos como eu precisam para gravar Bach e Beethoven porque eles são financiados por bandas de rock, axé, pagode, funk, sertanejo ou mesmo por empresas de jingles.

Um dos motivos pelo qual creio que as pessoas consomem pouca cultura é a simples falta de hábito, ou insegurança. Para essas pessoas que se acham indignas para ir a certos espetáculos, ler certos livros, ir a certos teatros, não é suficiente apenas prover eventos gratuitos (ou, como Dimenstein prefere dizer, "catraca livre"), é preciso dar um incentivo. Creio que oferecer a essas pessoas um valor que só pode ser gasto em cultura pode dar o empurrãozinho que falta para elas se tornarem frequentadores assíduos de teatros, livrarias, salas de concerto, etc.

Quanto à argumentação sobre educação e cultura, realmente não consigo entender qual é o ponto do Dimenstein. Se ele pensa que a escola e os professores vão influenciar diretamente o que estudantes de escola pública ouvem, lêem, e assistem com força mais intensa que os próprios colegas e a mídia, ele está equivocadíssimo. Especialmente os alunos com idade suficiente para realmente escolher que arte querem apreciar se unem em tribos em que o que eles ouvem e lêem é o principal fator que determina a identidade de grupo. E as tribos que há são justamente a do funk, a do pagode, a do rock, a do sertanejo, a do RPG, a do mangá, a do tecno, etc. Ainda não vi por aí em qualquer escola de primeiro e segundo grau a turma da Bossa-Nova, a da música erudita, a do parnasianismo, ou a do modernismo verde-amarelista.

Por fim, embora Dimenstein não tenha dito isso diretamente, não podemos deixar de notar que várias pessoas que concordam com ele crêem que "o povo" é idiota e "a elite" é sábia. Quem é que está gastando R$ 500 em abadás para ouvir bandas de axé? Ou comprando ingressos para ouvir Chitãozinho e Xororó no Credicard Hall? Será que alguma vez ele frequentou o estacionamento da USP ou outra universidade e prestou atenção que tipo de música e que tipo de livros estão ouvindo e lendo os universitários, inclusive os de pós que já ocupam posições de poder?

Gilberto Dimenstein têm colaborado para incentivar as pessoas, especialmente aos paulistanos, a consumir produtos culturais da melhor qualidade possível. Apesar disso, sua visão sobre o Vale-Cultura parece demasiado míope, e suas sugestões tornariam-no mais fraco, mais pobre, beneficiando um menor número de pessoas, e contrário à diversidade da cultura feita no Brasil.

2 comentários:

  1. Oi Alvaro,
    tudo bem? mto bom seu blog. Você escreve mto bem.
    Sö sugiro uma coisa... Se der, mude a cor das letras e do fundo, assim cansa MUITO prá ler oq está super bem escrito.
    ABraço


    Rafael Thomaz

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  2. Obrigado pela sugestão, Rafael. Alterei a fonte, espero que tenha melhorado. Daqui a alguns meses vou fazer uma reformulação visual mais intensa, e aí as cores serão outras.

    Obrigado,
    Alvaro Henrique

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