Amigo internauta,
Continuando nossa conversa sobre formas musicais, vamos falar da sonata clássica. Quando os músicos falam de forma-sonata, eles estão dizendo desse tipo de sonata. Relembro-o que em outros períodos de época a sonata tem características diferentes, como vimos na mensagem anterior, que abordou a sonata barroca.
Charles Rosen, em seu livro Sonata Forms (link para comprá-lo) mostra uma visão mais abrangente da sonata clássica, que não seguiria um só modelo pré-determinado (daí o forms, plural). Além disso, mostra que, ao contrário do que se imaginava, a forma-sonata não diz respeito apenas ao primeiro movimento, mas a todos os movimentos da composição.
Não é do propósito desse blog fazer uma análise minunciosa da forma sonata, mas por à luz do ouvinte alguns conhecimentos que possam facilitar sua compreensão ao ouvir uma obra musical. Para quem quer mergulhar no assunto, recomendo a leitura do livro de Rosen.
A grande qualidade da forma-sonata é sua capacidade de criar obras de longa duração, com ideias contrastantes, com o mínimo de repetição, porém criando toda uma unidade. Enquanto o ABA seria como um conto é para a literatura, ou o rondó como uma canção em que um refrão sempre se repete, a forma-sonata seria um romance ou um poema épico. Mais que isso, Rosen mostrou que a forma-sonata é também a aglutinação das formas já conhecidas até então.
No primeiro movimento de uma sonata clássica encontramos uma das maiores inovações na forma musical que o século XVIII nos proporcionou. Como comentamos em mensagens antigas, a linguagem musical é incapaz de retratar com precisão o real. Coisas como "por favor, me passe o sal" jamais podem ser ditas apenas com notas musicais. Porém, o primeiro movimento de uma sonata começou a esboçar algo similar a personagens e um enredo. Nasce a possibilidade da música contar uma estória. Mais tarde o poema dramático vai realizar essa potencialidade, mas essa é outra forma musical, que comentaremos mais tarde.
O estereótipo do primeiro movimento de uma sonata clássica pode ser representado no seguinte esquema: uma ideia musical (A), modulações, variações da ideia, uma segunda ideia musical contrastante (B), variações, pontes, um trecho em que elementos das duas ideias são combinados e variados (o chamado "desenvolvimento", um trecho em que o compositor mostraria seu "virtuosismo" no domínio da linguagem musical), a reafirmação da primeira ideia, mais pontes e a reafirmação da segunda ideia, porém agora "submissa" à primeira. Eventualmente ele pode contar com uma introdução e um trecho de finalização (coda).
Em resumo, (introdução) AB-desenvolvimento-A'B' (coda).
Vamos ouvir um exemplo no primeiro movimento (Allegro) da Sonata em Dó maior, K. 545 de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791).
A música começa com o tema A. A partir de cerca de 10" iniciam uma série de escalas que levam a composição para outra tonalidade. O tema B é tocado nesse outro tom, em cerca de 27". Aos 38" ouvimos a ponte para encerrar essa seção. Toda essa parte é repetida.
Em cerca de 1'50" é apresentado o desenvolvimento. Esse é o trecho que normalmente mais enebria os ouvidos. Ouça com atenção e você notará que vários elementos mostrados anteriormente aqui são retorcidos, recombinados, reorganizados, para criar algo novo. É como se uma criança acabasse de montar uma casa com Lego e resolvesse fazer outra casa, com as mesmas peças da anterior.
Em 2'15" o tema A é reapresentado, com leves diferenças. Idem para B, em 2'45". O B é o que está mais diferente. Notou isso, amigo internauta? Agora ele não está em outro tom, mas no tom principal da música, essa é a razão.
Os demais movimentos também estão organizados segundo formas musicais pré-determinadas. Como já as abordei em mensagens anteriores, vou apenas apontá-las. O segundo movimento é um A-B-A, o último um rondó.
Quando há quatro movimentos, o terceiro também é um A-B-A um pouco diferente, o Minuetto e Trio. Minuetto é uma dança que se assemelha à valsa. Na sua origem, num Minuetto e trio, na seção A todos os instrumentos tocam e a B é tocada por apenas três, normalmente instrumentos de sopro. Portanto, no trecho tocado por um trio a música soa mais leve e suave. Mesmo ao escrever para um solista, permanece a mesma ideia de um minueto em A-B-A, em que no B a música fica mais suave.
É importante dizer que Ludwig Van Beethoven (1712–1773) foi um dos principais responsáveis por modificar a estrutura da sonata clássica e dar a ela características que vamos ver na sonata romântica. Portanto, diversas de suas sonatas fogem desse estereótipo.
Acho que também pode ser útil para você, amigo internauta, explicar um pouco da nomenclatura das sonatas clássicas. Uma sonata clássica tem três ou quatro trechos, que chamamos de movimentos. É o equivalente a um capitulo de um mesmo livro, ou a um ato de uma peça teatral (há idiomas em que se usa a mesma palavra para esses casos, inclusive).
Cada movimento tem o nome da indicação que o compositor deu para a velocidade e o caráter da música. Essas palavras, assim como vários termos musicais, são de origem italiana. Os mais comuns são allegro (alegre), largo (lento), moderato (moderado), andante (andando), presto (rápido).
A tonalidade em que a obra foi composta normalmente é indicada, pois tende a sugerir o "clima" da composição, bem como sua dificuldade. Cada instrumento têm mais facilidade de tocar em certos tons. Além disso, associa-se a alguns tons estados de espírito correspondentes. Por exemplo, a tonalidade da sonata de Mozart que ouvimos, dó maior, é associada à leveza. E, ao piano, é o tom mais fácil de se tocar.
Com frequência se indica um número de catálogo também. Imagine que você queira comprar a partitura de uma sonata em dó maior de um compositor, e descobre na loja que há cinco sonatas diferentes do mesmo compositor, todas em dó maior. Para resolver esse problema, as editoras de música passaram a indicar um número para cada sonata que eles publicaram, seguida de uma pequena sigla.
A sigla Op. vem do latim opus, que pode ser traduzido como obra. A primeira obra publicada por um compositor é o Op. 1, a segunda o Op. 2, e assim por diante.
Outras siglas indicam um editor que reuniou todas as obras de um compositor e as ordenou. A sigla se refere à inicial dessa pessoa. As obras de Mozart foram numeradas por Köchel, portanto seguem a siga K ou KV (V de Verzeichnis, índice em alemão). As de Haydn, indicadas por H. ou Hob., vem de Hoboken.
Ou seja, quando dizemos algo como Piano Sonata em Dó maior Hob XVI:50, I. Allegro, de Franz Joseph Haydn, estamos dizendo que é o primeiro movimento, Allegro (alegre em português), de uma sonata para piano composta por Haydn, em dó maior (tom da leveza e a mais fácil de tocar no piano), que é a de númeração XVI:50, feita por Hoboken.
Calma, amigo internauta, o catálogo é apenas um detalhe de pouca utilidade (talvez só pra puxar conversa no intervalo de um concerto, mas outros assuntos são mais interessantes). O importante é saber que é um movimento que deve soar alegre, no tom da leveza, fácil de tocar, e escrita por um dos gênios do classicismo. Ou seja, diversão garantida. Confira: http://www.youtube.com/watch?v=4HqLyzxi7yw .
Nenhum comentário:
Postar um comentário