quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Sobre o vilarejo em que meu pai nasceu

Povoado Ibipira

A origem do povoado Enjeitado.

Na década de trinta, depois do movimento dos tenentes, prestaram uma homenagem ao tenente revolucionário Siqueira Campos - morto em um naufrágio na travessia do Rio Uruguai quando viajava em companhia do também tenente João Alberto, nascido em Rio da Barra, distrito de Sertania (PE) -, dando um novo nome ao povoado, que passava a se chamar Siqueira Campos como nome oficial, mas o tradicional Enjeitado continuou em evidencia até o presente momento.

Na década de quarenta ou cinqüenta surge um padre na região chamado Padre Borgeia e, como a Igreja é uma instituição que tem um poder de influencia muito grande nos dias atuais - imagine há cinqüenta anos atrás -, o Padre Borgeia fez a cabeça do povo nos seus sermões insinuando que não era justo homenagear um revolucionário, um comunista, e que tinha que mudar o nome do povoado. Então, impondo a sua vontade, e com a concordância dos menos esclarecidos, mudou o nome oficial do povoado para Ibipira.

O povo que ali habitavam eram oriundos do estado do Ceará. A migração ocorreu no século XIX, pelos idos de 1877 a 1880. Fugindo da grande seca de 1877 partiram muita famílias para o estado do Maranhão em busca de água e terras férteis. Estas eram as famílias Rodrigues, Canário, Leite, Domingo, Santiago, Santos, Assis, Oliveira, Guedes, Pereira, Baiano da Silva, Brito, Souza, Quirino, Leonardo, Bezerra, Castro, Belizário, Mateus, Bernardino, Carolino, Nogueira, Ferreira e Fonseca.

Parte destas famílias (Bernardino, Carolino, Rodrigues, Medrado), ficaram num povoado chamado Mata Velha, próximo aonde já existia o povoado Mata do Nascimento. Mais tarde a fusão dos dois povoados deu origem à cidade de Dom Pedro. As demais famílias seguiram para o povoado de Mirador, lugar banhado pelo rio Itapecuru. Lá alguns membros da família Bezerra ficaram, e outros seguiram, pois foram informados de um lugar não muito distante que tinha muita água e terras férteis, só que era um lugar abandonado, situado entre duas serras aonde fica a nascente e por onde corre o riacho São João. Era o vão do Enjeitado, assim chamado porque tinha animais ferozes e dava muita malaria ou cesão (como é conhecido na região).

E para lá eles se foram. Povo desbravador, muitos deles traziam algum recurso. Lá se assentaram, espantaram os felinos, e em pouco tempo transformaram o lugar num centro de produção de arroz, milho, feijão, fava, algodão, mandioca, enfim, tudo para o próprio sustento, e aproveitavam também os recursos nativos região, em especial o Babaçu. Dele se aproveita tudo: a palha é usada para cobrir casas; a castanha extraída do coco é rica em óleo, que serve para alimentação, para fazer sabão, para fabrição de cosméticos; a casca contém alto teor de combustão, serve para ser queimada em fornos de siderurgia, dá um carvão de primeira para ser usado em casa; a palmeira de babaçu tem uma haste grande, então quando morre e apodrece faz um adubo natural para a terra. E há babaçu em abundancia na região, além de muitas terras férteis (terra de barro massapé).

Passaram a cultivar cana, criar gado, e fabricar rapadura e cachaça, que ainda hoje é uma das atividades principais do povo da região.

Este pessoal veio de vários lugares do Ceará. Meus bisavós maternos, que eram Domingo Santiago, vieram do lugar que deu origem à cidade de Campos Salles direto para o povoado Enjeitado, aonde já moravam muitos conhecidos. Chegando lá, compraram uma propriedade já formada, construída pelo meu bisavó paterno, o senhor José Canário. Os meus bisavós maternos se chamavam José Domingo Santiago e Maria dos Santos Santiago. Zé Domingo, como era conhecido, era um homem de bem, muito conceituado, amigo dos coronéis da Guarda Nacional, de tal modo que quando as tropas comandadas pelo General Isidoro Dias Lopes passou pela região procurando aqueles que tinham aderido a coluna Prestes eles receberam recomendação expressa do coronel José Brandão do Povoado Picos (que veio a ser depois a cidade de Colinas), para que não perturbassem o cidadão Zé Domingos e família.

Muito trabalhador, Zé Domingos ali fez patrimônio. Quando veio falecer, deixou bastante terra e gado para seus filhos. A família de Zé Domingos e Maria era pequena para os padrões da época, com apenas seis filhos: Ana Maria (conhecida por Naninha), Tertulina Maria (conhecida por Terta, minha avó), João Domingo, Domingo Santiago, Antônio e Osterno. Dos irmãos da minha avó Terta conheci Domingo e Osterno.

Tio Domingo era ferreiro e trabalhava de forma bem primitiva. A fundição dele era um assoprador chamado forja que ele mesmo fazia, assoprava o fogo no carvão (que atingia altas temperaturas), daí o ferro ficava flexível e ele moldava a peça conforme o que ele pretendia fazer. Ele tinha o molde da peça, então o metal era derretido e colocado na fôrma. Em pouco tempo a peça estava pronta. As peças eram para arreios usados em animais, peças para revolveres, pistolas, espingardas, rifles. Ele fazia coisas interessantes.

Osterno gostava muita da minha mãe. Ele era muito engraçado, contador de estórias, botava apelido em todo mundo. Certa vez, me lembro, ele contou uma historia relatando os caprichos do homem de palavra que era o pai dele. Zé Domingos certa vez conversava com uns amigos contando estórias do Ceará, sua terra natal. Na região em que ele nasceu e se criou, em conseqüência das constantes secas que assolam a região, um lago tinha secado ao ponto do peixes virarem pedra, o que foi motivo de risada dos presentes e ele ficou muito chateado. Então arrumou uma viagem e mandou seu filho Toinho, em companhia de outra pessoa, que fossem ao Ceará e trouxessem vários peixes-pedra (como eram chamado), e que hoje chamamos peixes fossilizados. Então Toinho seguiu mundo afora. Passados alguns meses ele chegou com as pedras, aí Zé Domingos convidou aqueles que antes tinham sorrido dele e, ao ver as pedras, ficaram todos cabisbaixos.

O interessante, segundo meu tio Osterno, era que, quando Toinho viajou para o Ceará e perceberam a falta dele, perguntavam "Cadê Toinho?", e eles respondiam que ele andava para a Travessia cuidando do retiro de gado. Travessia é uma região próxima do Enjeitado que tem muita água e pasto nativo, então no período da seca (que vai de junho a outubro) costumam levar o gado para aquela região para o que chamamos de retiro.

Meus outros bisavós maternos, Francisco Leite de Souza (conhecido por Chiquinho) e Maria Pereira Leite (conhecida por Pereira), tinham como origem Santana do Cariri (CE). A família deles era de quatorze filhos: Maria, Ana Amélia (conhecida por Losa), Rita, Josefa, Antônia, Otília, Ramiro, Almerinda, Vicente, Júlio, Luís, José, João (conhecido por João Chiquinho, meu avô) e Francisco, que faleceu quando criança. Aí começa a mistura, isto é, o casamento entre as famílias. Dois filhos de Chiquinho e Pereira casaram com filhos de Zé Domingos e Maria: João Chiquinho e Terta, meus avós, e Antonio Domingo e Rita Pereira. Os irmãos do meu avó João Chiquinho, José e Almerinda casaram com os irmãos da família Rodrigues de Oliveira e Castro, Maria Rodrigues de Oliveira (sinhá) e Antonio Rodrigues de Oliveira Castro (Antonio Aguida), filho de Raimundo Pereira de Castro (Raimundo Aguida) e Maria Rodrigues de Oliveira (Marica Rodrigues).

João Chiquinho e Terta tiveram seis filhos: Josina, minha mãe, Antônio Francisco (que faleceu ainda criança), Rosalina (conhecida por Rosa), Maria (conhecida por Mariinha, falecida em 1989) e Rita. Minha avó Terta faleceu em 1944 e meu avô casou novamente com Antonina Oliveira Brito e tiveram quatro filhos: Benta, Nildete, Almeron e Gilvan (que faleceu em 26/04/1993, aos 36 anos). Meu avô João Chiquinho faleceu em 13/02/1993, com 93 anos. João Chiquinho era analfabeto, mas era inteligente e dotado de uma memória extraordinária. Ele fabricava e vendia cachaça, tinha pagamento dos trabalhadores e outros pequenos negócios tudo na cabeça. Fazia conta de soma e multiplicação com rapidez. Não perdia em negocio nem passava troco errado. Foi um homem muito trabalhador. Para ele todo dia era dia de trabalhar. Ele tinha um sítio aonde plantava cana e fabricava cachaça e lidava com vários homens trabalhando. O pessoal no interior vive procurando dia santo, então o peão dizia "Seu João, amanhã é dia santo". A reação do meu avô era espontânea e falava assim: "A questão é esta, rapaz: é dia santo mais você come." Aí o peão confirmava que sim, ele reiterava "Então é dia de trabalhar." Não quero dizer que o meu avô não respeitava o dia de descanso do trabalhador, o domingo era dia de descanso, e os principais dias santos, como São João, Nossa Senhora Aparecida, que é a padroeira do nosso povoado, Sexta feira da Paixão, e outros que não me lembro.

Outra dele: às vezes era sábado e surgia um problema corriqueiro do dia-a-dia que só podia ser resolvido na segunda feira. Então o trabalhador dizia "Seu João, tem um problema para ser resolvido na segunda feira", de imediato ele respondia "A questão é esta, rapaz: se o problema é pra segunda feira, deixe pra se preocupar com ele na segunda feira, porque só se tira as alpercatas na beirada do rio."

Na família dos meus bisavós Chiquinho e Pereira existiu uma supertição com o nome Francisco. Um irmão do meu avô chamado Francisco não se criou, meu avô deu o nome de Francisco a um filho e não se criou, e Luis Pereira, irmão de João Chiquinho, deu o nome de Francisco a um filho que também não se criou e faleceu de maneira trágica queimado. Então, diante destas coincidências, não tem neto e nem bisneto de Chiquinho e Pereira chamado Francisco.

Do lado paterno, os pai de minha avó Izabel Canário dos Santos (conhecida por Biluca), era José Canário (conhecido por Zé Canário). Zé Canário foi casado três vezes, duas com irmãs. Dos três casamentos gerou vinte e seis filhos. Só sei o nome de alguns. Minha avó Izabel, por ser muito mimada, ganhou o apelido de Biluca. Ela era a filha caçula do segundo casamento de Zé Canário. Dos irmãos da vó Biluca sei apenas o nome alguns: Otávio, Maria, Luís, Joana, Benta, Belinha, Raimunda, José Canário.

Minha avó era prima primeira dos Baiano da Silva. Meu bisavó Zé Canário era um homem rico. Tinha muitas terras, plantação de cana e gado mas, segundo a minha vó, Zé Canário era um homem desprendido do que tinha. Era farrista e jogador de baralho. Apostava dinheiro, gado terra, cavalo de sela, arma, jóias. O velho era um bicho tão doido que fazia cigarro em cédulas de mil réis, mas fracassou e, quando veio falecer (estava viúvo, tendo sido casado três vezes), dos bens que possuiu não tinha mais nada.

Biluca casou com Gonçalo Rodrigues da Silva (conhecido por Amâncio). Sobre a família do meu avô Amâncio, assim, pai e mãe, eu não sei nada. Sei apenas que tinha muitos irmãos que eram da família Rodrigues Feitosa, de Inhamum (CE) e que, quando vieram para o Maranhão no inicio do século XX, não vieram todos. Ficaram alguns em Inhamum e o que sei é que nunca mais tiveram contato com eles. Vieram Leonarda, Selisjoana (ou Sabida), Maria José. No Enjeitado casaram Rodrigues com Canário, com Belizário Nogueira, com Quirino, com Albino, com Mateus. Meu avô Amâncio e minha vó Biluca tiveram sete filhos: Cícero, Benta, Velomina, Maria, Amélia (todos falecidos), Raimundo (conhecido por Bizinza), José (conhecido por Zé Biluca, meu pai). Meu avô Amâncio faleceu homem novo, em 1932. Minha avó Biluca faleceu dia doze de agosto de 1976, aos oitenta e quatro anos. Meu pai Zé Biluca casou com Josina, filha de João Chiquinho e Terta, neta de Zé Domingo e Maria e de Chiquinho e Maria Pereira.

Antônio Alves dos Santos (Antônio Biluca) - 1951-2004

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